Conspirações COVID: Será o coronavírus realmente um risco importante para os jovens saudáveis?
- Liliana Costa
- 26 de jan. de 2021
- 5 min de leitura
Atualizado: 11 de fev. de 2021

Encontrar as maiores mentiras associadas ao Coronavírus não é tarefa pouca, já que as mentiras digitais, tais como as contadas em pessoa, ao ouvido e em segredo são frequentemente labirínticas e mesmo quando são contadas pelas mesmas fontes contradizem-se sucessivamente de forma caótica.
Mas sobretudo, são muitas…
Desde as mais benignas como diagnosticar uma infeção por COVID-19 aguentando 40 segundos sem respirar, até à prevenção da infeção por coronavírus comendo gengibre, a oferta é muito variada. Para cada mentira existem dezenas de variações conforme a imaginação de cada grupo “conspirador”. Este é o primeiro post de uma série de 9 em que analiso o contexto que esteve por trás da sua criação e explico passo por passo como podemos desmistificar estas mentiras.
A mãe de todas as teorias da conspiração sobre o COVID-19
Pareceu irreal a todos a sucessão de eventos no último ano. Essa noção de irrealidade é não só normal, mas de uma perspetiva psicológica, totalmente espectável, face à radicalidade das mudanças das nossas vidas em tão pouco tempo. No entanto, alguns teóricos profissionais da conspiração levam isto mais longe e afirmam que a pandemia por SARS-COV-2 não existe de facto e é antes uma conspiração das elites (ou do governo chinês de acordo com as teorias) para retirar direitos às populações.
No que diz respeito àquela que é a “mãe de todas as conspirações sobre o coronavírus”, a alegação é de que o vírus nunca foi isolado. Associa-se a outras que discutirei depois, mas de forma resumida defendem que todas as medidas conhecidas na atualidade para controlo da pandemia (distanciamento social, uso de máscara, rastreamento de contactos), na realidade não funcionam e podem até ser deletérias para a saúde.
Estas afirmações mostram um total desconhecimento da vastíssima quantidade de ciência por trás da luta contra a pandemia. Na realidade o vírus não só foi isolado, mas foi até totalmente sequenciado geneticamente, descoberta esta partilhada pela China em janeiro de 2020 e que foi fundamental para a compreensão desta ameaça e desenvolvimento de vacinas. Até ao momento infetou mais de 100 milhões de pessoas em 219 países e já matou mais de 2,1 milhões de pessoas. Como uma verdadeira 3ª guerra mundial ainda a decorrer.

Teoria: O coronavírus não apresenta um risco real para os jovens saudáveis exceto pelo seu potencial de infetar outras pessoas idosas
Esta é uma teoria que resulta da anterior. Ou seja, após a esmagadora maioria dos teóricos da conspiração deixarem de poder negar a existência do SARS-COV-2, abraçaram esta versão mais leve: a de que a COVID-19 existe afinal, mas é apenas uma infeção ligeira como tantas outras que já tínhamos sofrido. Defendiam ainda que para a grande maioria da população, as medidas tomadas para controlo da pandemia eram desnecessárias e apenas prejudicavam a economia e a qualidade de vida. Esta teoria parecia corroborada por muitos casos de pessoas jovens que estiveram infetadas sem sintomas, muitas vezes sem o saber e outras que tiveram apenas sintomas ligeiros. Felizmente, muitas pessoas jovens (e não jovens) são assintomáticas ou apresentam infeções leves, que dão a todos a sensação de que “afinal não foi assim tão mau”.
Infelizmente a verdade é bastante mais negra. Se é um facto que os mais jovens e saudáveis têm menor probabilidade de apresentar um quadro clínico grave pela COVID-19, à medida que o conhecimento científico sobre esta infeção aumenta, acumulam-se provas de que a sorte ou azar com a infeção é afinal, em grande parte, uma gigantesca roleta russa, com uma arma que pode estar mais ou menos carregada de balas. A probabilidade é maior conforme os fatores de risco, mas continua a ser um jogo de sorte ou azar.
Desde cedo, os dados recolhidos em Unidades de Cuidados Intensivos em todo o mundo revelavam que os doentes admitidos nestas Unidades são também eles frequentemente jovens e muitos sem quaisquer doenças prévias.
FACTO: “O impacto do COVID em jovens é pior do que os piores momentos da epidemia HIV/SIDA”
Um estudo norte americano publicado na prestigiada revista científica JAMA revela dados assustadores: as mortes dos 25 aos 44 anos nos primeiros meses de pandemia subiram dramaticamente e julho de 2020 pode inclusivamente ter sido mesmo o mês com mais mortes de jovens na história moderna dos EUA.
De acordo com a análise publicada nesta revista em dezembro e reportada ao mês de julho, é constatado que morreram em média 16,000 jovens entre os 25 e os 44 anos, comprados com os habituais 11,000. O número de óbitos de jovens na pandemia agrava a cada mês e ultrapassa largamente o mais negro marco médico das últimas décadas: os piores meses da epidemia HIV/SIDA. Em 1995, a infeção HIV era a principal causa de morte entre os jovens dos 25-44 anos, com 13,000 mortes por mês, sendo a causa de 19% de todas as mortes nestas faixas etárias. Já com a pandemia por COVID 16,000 jovens morreram em média em julho de 2020, contabilizando 38% do excesso de mortes diretamente atribuível ao COVID-19.
FACTO: A COVID-19 pode causar doenças crónicas em pessoas saudáveis, mesmo jovens
Vários estudos revelam que a COVID-19 deixa também, para uma parte significativa da população (incluindo jovens saudáveis), sequelas neurológicas, doenças pulmonares e cardíacas e pode até voltar a agravar subitamente meses depois de ter sido dada como curada.
Em Portugal, um estudo feito em 2000 doentes COVID seguidos no Centro Hospitalar de São João no Porto foi apresentado na reunião do Infarmed a 12 de Janeiro sobre a "Situação epidemiológica da Covid-19 em Portugal" por Henrique Barros, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto. Este estudo ainda não publicado revelou que 60% dos doentes inquiridos disseram manter problemas “numa proporção muito alta” desde que foram considerados curados. E cerca de 25% a 30% das pessoas mantêm sintomas para lá dos oito meses.
Já no Reino Unido, um estudo da Universidade de Leicester nos hospitais do NHS revelou que quase um terço dos doentes que recuperam da infeção, regressam ao hospital novamente com sintomas no prazo de cinco meses após a infeção, e mais de 1 em 10 morre. Revela ainda que a incidência de disfunção de vários orgãos é mais elevada em indivíduos COVID-19 comparada com o grupo controlo, sugerindo vários problemas crónicos persistentes não só pulmonares, mas também cardíacos e neurológicos entre outros.
Ou seja, infelizmente o covid-19 pode mesmo transformar-se se numa doença crónica mesmo em pessoas previamente saudáveis e a melhor estratégia é, sem dúvida, prevenir.
Outras publicações de interesse:
1. Faust JS, Krumholz HM, Du C, et al. All-Cause Excess Mortality and COVID-19–Related Mortality Among US Adults Aged 25-44 Years, March-July 2020. JAMA. Published online December 16, 2020. doi:10.1001/jama.2020.24243
2. Jeremy Faust, People Thought Covid-19 Was Relatively Harmless for Younger Adults. They Were Wrong. NYTimes, Dec. 16
3. Ayoubkhani D, Khunti K et al. Epidemiology of post-COVID syndrome following hospitalisation with coronavirus: a retrospective cohort study, medRxiv 2021.01.15.21249885; doi: 10.1101/2021.01.15.21249885
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